VAMOS INICIAR NOSSO ESTUDO RECORDANDO UM CONCEITO FUNDAMENTAL: A FLEXÃO
Flexão nada mais é que a propriedade que certas palavras possuem de sofrer alterações na sua parte final. Existem palavras que possuem essa propriedade e são chamadas de palavras variáveis, enquanto outras não a possuem, e por isso são chamadas de palavras invariáveis.
Nas palavras variáveis distinguimos dois elementos. À parte final, flexível, da palavra, denominamos desinência; à parte que sobra, tirada a desinência, e que é fixa, denominamos tema ou radical. Assim, por exemplo, na palavra menino podemos distinguir o radical menin e a desinência o:
menin – o
Mudando-lhe a desinência podemos obter, por exemplo, as seguintes flexões:
menina
meninos
meninas
menininho
meninão
A flexão de uma palavra implica sempre alteração na idéia que ela exprime; tal alteração dá-se, em português, quanto ao gênero, número ou grau nos substantivos, adjetivos e pronomes, ou quanto ao tempo e pessoa nos verbos.
As flexões existentes na língua portuguesa
Como acabamos de ver, substantivos, adjetivos e pronomes são palavras flexíveis e podem flexionar-se de três maneiras:
a) quanto ao gênero;
b) quanto ao número;
c) quanto ao grau.
Na língua latina encontramos um gênero a mais, que não existe em português: o gênero neutro. Para o início do nosso estudo tenhamos em mente os seguintes três gêneros em latim: masculino, feminino e neutro.
A flexão de número em latim funciona como em português: singular e plural. Ao longo do nosso estudo, porém, veremos que o latim conserva alguns resquícios de um antigo número dual.
Quanto ao grau também tudo se dá em latim como em português: para os substantivos temos os graus normal, aumentativo e diminutivo, e para os adjetivos, além desses três, temos o comparativo e o superlativo.
Até agora a única novidade em relação à nossa língua é que em latim existe o gênero neutro. A próxima novidade, importantíssima, e que nos ocupará bastante tempo de estudo, é que em latim temos mais um tipo de flexão: a flexão de caso.
Uma flexão a mais em latim: a flexão de CASO
A flexão de caso consiste na alteração da desinência da palavra de acordo com a função sintática, ou seja, de acordo com a função que ela exerce na oração. Quer dizer que um substantivo, adjetivo ou pronome apresenta desinências diferentes de acordo com o papel que estiver desempenhando na oração, a saber, sujeito, predicativo, objeto direto, objeto indireto, adjunto adverbial, etc.
Tomemos, por exemplo, uma frase bem simples:
Pedro ama Maria.
A análise sintática nos dirá que Pedro é o sujeito da oração, e ama Maria, o predicado. Nesse predicado identificamos o verbo ama (amar) como um verbo que pede obrigatoriamente um complemento, pois quem ama, ama alguém ou alguma coisa; temos então em Maria o complemento do verbo, que nesse caso chama-se objeto direto. O nome Pedro - PETRUS receberá a desinência própria do sujeito ao passo que Maria - MARIA receberá a desinência do objeto direto - MARIAM:
Petrus amat Mariam
Note que, uma vez que a função sintática é identificada pela desinência, há uma flexibilidade maior na ordem das palavras; isso quer dizer que nossa frase poderia ser dita da seguinte forma sem alteração do sentido:
Petrus Mariam amat.
Imagine a situação contrária: Maria ama Pedro. A análise sintática nos mostrará que Maria é o sujeito agora, e Pedro, o objeto direto. Pois bem, Maria receberá a desinência do sujeito - MARIA, e PETRUS, a do objeto direto - PETRUM; teremos então:
Maria amat Petrum
ou
Maria Petrum amat.
O caso do sujeito chama-se em latim o caso Nominativo, e o do objeto direto, acusativo. Há em latim seis casos, e o início de nosso estudo será exatamente o estudo dos diversos casos e suas desinências.
Vamos imaginar agora outra frase:
Maria deu o livro a Pedro.
Feita a análise sintática saberemos que Maria é o sujeito e livro é o objeto direto. Mas essa oração apresenta um outro complemento do verbo; como quem dá, dá alguma coisa (objeto direto) a alguém, temos aqui um outro tipo de objeto o objeto indireto; o objeto indireto em latim é chamado de caso dativo. Vamos agora montar a frase. A palavra livro em latim é líber, mas na forma do objeto direto, ou seja, no acusativo, fica librum. O nome Pedro, você já sabe, é Petrus; você já sabe também que, se Petrus for objeto direto, ou seja, acusativo, aparecerá como Petrum; na nossa oração, entretanto, Petrus é objeto indireto, dativo: aparecerá sob a forma Petro. Assim, finalmente nossa frase aparecerá como
Maria Petro librum dedit.
Note também que a oração parece ter ficado com uma forma invertida em relação à forma que apresenta em português, o que não altera em nada o sentido, já que cada palavra aparece flexionada segundo a função sintática que exerce. Por outro lado essa ordem é preferida em latim: verbo no final da frase, objeto direto antes do verbo, objeto indireto antes do direto.
Resumindo: se em português as palavras variáveis são flexionadas em gênero, número e grau, em latim flexionam-se em gênero, número, grau e caso, ou seja, de acordo com a FUNÇÃO SINTÁTICA.
Penso que você já entendeu que precisa ter a análise sintática na ponta da língua. Com efeito, tanto para traduzir do latim para o português, quanto para traduzir de português para o latim é necessário proceder à análise sintática de cada oração.